Histórias de vida e identidade profissional

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Relato – Identificação com a Docência / Lúcio Ramos


Para falar um pouco da minha identificação com a docência, preciso fazer uma breve caracterização da minha família, pois foi lá onde tudo começou. Meus pais sempre levaram uma vida no campo, por isso estudaram apenas até o quarto ano do que hoje se reconheceria como ensino fundamental. Começar o quinto ano exigiria deles uma mudança de escola, o que não poderia acontecer, pois ambos precisavam trabalhar na roça para ajudar as respectivas famílias. Por outro lado, sempre estimularam os filhos a estudar, com a expectativa de que se tornassem pessoas mais aptas a melhores ocupações e com um conhecimento mais ampliado de vida. Sou o mais novo de 5 filhos. Meus pais e meus quatro irmãos sempre moraram e continuam residindo no interior de Minas Gerais, enquanto eu optei por me mudar para a Bahia em 2001. O meu irmão mais velho graduou-se em Farmácia e também atua como docente de Biologia; minha irmã mais velha cursou o magistério e atuou um bom tempo como professora, só que hoje trabalha na secretaria de uma escola municipal; meu segundo irmão e a segunda irmã também cursaram magistério, mas nunca atuaram na área. Apenas meu irmão mais velho e eu fizemos faculdade. Optei pela carreira da Enfermagem em 2001, por isso fui morar em Jequié – BA, para estudar na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Com 5 anos de idade eu frequentava a escola e fui alfabetizado por minha irmã mais velha, que ensinava para crianças no “Pré-escolar”, com 6 anos de idade. Quando completei 6 anos, minha mãe me matriculou no Pré, mas cursei apenas 6 meses, pois a professora percebeu que eu tinha condições de avançar naquele mesmo ano. Então, cursei o Pré e a primeira série no mesmo ano de 1988. Minha irmã sempre foi um suporte para mim e eu via nela um exemplo a ser seguido. Como meus pais moravam (e ainda moram) em um sítio, eu morava na cidade na casa dessa irmã para estudar, o que me fez crescer nesse ambiente cheio de livros, tarefas de casa, cadernetas, plano de aula, provas, trabalhos, dentre outros termos comuns à docência. É claro que o acolhimento que tive das professoras que me acompanharam até a quarta série foram fundamentais para eu admirar a profissão docente. Como não lembrar da professora que esteve comigo na primeira e na segunda série e da outra que me guiou pelos conhecimentos do terceiro e quarto ano? Da quinta à oitava série as coisas mudaram, pois passei a conviver com muitos professores e as relações pareciam ter ficado mais frias. Não dava tempo de conviver muito em 50 minutos de aula e logo vinha outro professor para a sala. Fui cada vez mais estimulado a pensar em notas, em “decorar” mais assuntos, em fazer mais provas, porque eu precisava estar pronto para o ritmo do ensino médio, que antecedia o vestibular.Tinha um professor de matemática na quinta série que me marcou de um modo negativo, pois estimulava muito a competição entre os estudantes. Colocava uma equação enorme no quadro e quem resolvesse primeiro e levasse o caderno para ele ver, ganhava um ponto a mais na nota. Lembro até hoje que passei com nota máxima (na época eram 100 pontos) em matemática, tinha até pontos além do permitido. Na época, achava ótimo, mas com a maturidade fui percebendo que isso não me acrescentava em nada. Eu tinha colegas que nunca conseguiram estes pontos extras, outros que copiavam as respostas dos que faziam primeiro... Enfim, aprender não era o objetivo, muito menos estimular o trabalho em grupo.A cultura da época era de respeitar e temer o professor acima de qualquer coisa. Tinham alguns que gritavam, jogavam giz na cabeça dos estudantes que conversavam na sala, expulsavam estudantes ou mandavam pra diretoria ou para o SOE (Serviço de Orientação Escolar). Sem falar que era uma cidade pequena e a chance do professor conhecer nossos pais era muito grande, o que deixava a gente com mais medo ainda.Já no ensino médio, em Montes Claros, não tive professores tão marcantes. Estudei pela primeira vez em um colégio particular, que respirava vestibular. “Comprou” os melhores professores da cidade e a única forma de avaliação permitida era a prova escrita. Trabalho em grupo? Nem pensar. Fazíamos cerca de três provas todo sábado e tinha maior nota quem fixasse mais os conteúdos. Não passei no vestibular ao final do terceiro ano e fiquei dois anos fazendo pré-vestibular, que é um curso onde o docente não dá conta de saber nome de ninguém, pois as turmas são enormes. Dessa forma, eu achava melhor o docente que ensinava os macetes para as provas e isso me bastava. Na universidade tive o privilégio de estudar em uma turma de 25 alunos, o que favoreceu muito a aproximação com os docentes. Como em todo lugar, houve os que marcaram muito e houve os que nem me lembro direito o nome. Para mim, marcou quem se preocupava com detalhes a mais do que o conteúdo a ser ensinado, pensava em estratégias envolventes em sala, defendia a profissão com um olhar político crítico, sabia nossos nomes, estimulava nossa sensibilidade para o cuidado ao outro, ouvia nossas colocações, respeitava nossa insegurança e o nosso tempo para o aprendizado. Também passei por especializações, uma residência, um mestrado e agora curso doutorado. Nestes espaços, conheci muitos docentes e a cada dia vou exercitando esse olhar mais apurado sobre os que me inspiram como “modelos” e os que não me acrescentam de modo positivo. Vou observando tudo e construindo/reforçando em mim a cada dia o que acredito ser um docente universitário. Não imaginava que fosse me tornar professor um dia, mas hoje não me vejo em outro lugar, senão, no exercício da docência. 

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