Histórias de vida e identidade profissional

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Relato: Doce docência



- Quanto é dois vezes dois... vá fazendo esta cópia... Joselito, nem comece com seu choro, é pra você soletrar, vumbora com isso... Quem foi Princesa Isabel?
Não, não... essa não é uma sala de aula de aceleração, ou “enturmação”... nada disso. É a sala, é a cozinha de minha casa, por volta de 1970.
Cresci e me criei em uma família de professores. Minha irmã mais velha, antes de lecionar profissionalmente no hoje chamado ensino fundamental, já tinha como renda dar aulas de reforço (na década de 70 era a famosa banca) para alunos de 1ª a 4ª série.
A casa era pequena e a cozinha tinha uma mesa onde ao redor ficavam alguns alunos e na pequena sala outros. Naquele ambiente, confesso que, não sei como, aprendi a ler e escrever. Ficava eu de olhar comprido, vendo minha irmã “tomar a lição” e queria participar. Ela então passava para mim alguns deveres, que eu não entendia como método de alfabetização.
Mas uma coisa me incomodava. Havia um aluno, Joselito (imagine que não esqueci o nome nem as feições físicas) que TODOS os dias choraaaaaaaava na hora de “tomar a lição”. Todos os dias... aquilo me incomodava: a “insensibilidade” de minha irmã e o “sofrimento” diário de Joselito. Tinha eu 5, talvez 6 anos de idade.
Minha alegria foi no dia em que pude passar a frequentar a casa de minha cunhada e lá passei a ser aluna: tinha caderno e direito a exercício – geralmente copiar frases. Sim, sim... minha irmã e a família de minha cunhada faziam o mesmo: davam banca.
Ao ingressar pela primeira vez OFICIALMENTE em uma instituição de ensino, aos 7 anos de idade, na Escola Estadual Presciliano Silva, já sabia ler e escrever. E, por isso, fui transferida do antigo pré-primário para o 1º ano. E perdi, sobretudo, a merendeira com Q-suco de groselha e biscoito. Isso porque, no 1º ano os meninos levavam dinheiro para comprar pipoca pela fresta do portão. Eu? Caçula de uma família de 9 irmãos, órfã de pai e mãe, o máximo que tinha era alguns centavos, mas achava o máximo me acotovelar por entre as frestas do portão e gritar: “mooooooooço, me dá 20 centavo de caroço”!
Hoje, segui a rota natural da família e confesso que não saberia ser outra coisa a não ser ajudar na formação cidadã de adolescentes. Educadora apaixonada: essa é minha profissão.

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